segunda-feira, 14 de março de 2011

O Cinema do Barradas



O cinema de Márcio Barradas, realizador paraense, merece um post aqui no Amor Venéris,sendo ele lúdico, obscuro, violento e infinitamente belo do ponto de vista daquilo que o vem a ser.
Na berlinda da Jóia Laura, hoje, não cabe todo o cinema de Márcio, e sim um filme "Os Comparsas". Primeiro porque tive a honra de participar, fazendo uma personagem no melhor estilo "gritos, esperma e algemas" como diria Ton Zé na sua juventude Javali.
Segundo porque a adaptação veio de um conto de Bukowski, mas o enredo muito se parece com as histórias que Laura me contava, sobretudo da morte do coronel. Das histórias em que Laura pregava a negação do matrimônio por uma mulher "um ser que não se pode confiar" resmungava o coronel."Acabe com ela! Mas antes deixa-me aproveitar a carne".
E terceiro porque a maioria dos realizadores costuma reclamar e espraguejar da figura do crítico, e este por sua vez, com o eterno olhar de antes-e-depois (tipo transformação pós-cirurgia plástica mamária)saem falando do filme depois de vê-lo pronto,como se um filme pronto fosse um filme acabado,mas Márcio teve a inteligência e generosidade de chamar um jovem crítico-cítrico(APJCC - Associação Paraense de Jovens Críticos)para trabalhar na tecitura do filme, envolvendo-o no elenco da artesania da violência, em personagem representativo das maiores desgraças da dita honra humana - Impotência, medo e covardia. Não vou rebaixar-me aos críticos em dizer que isto é bom, ruim, feio ou bonito, mas posso dar uma breve dica do texto de divulgação que o rapaz tá fazendo do filme:

O cineasta alemão Fritz Lang apresentou, no conjunto de sua obra, uma idéia particular: em determinado momento a realidade sempre consegue ser pior que o pior dos pesadelos. Ele também dizia que num mundo sem Deus, a única forma de atingir o cognitivo das platéias era através da dor física. E esta era sempre resultado da violência.
Inspirado pelos mesmos princípios, o cineasta paraense Marcio Barradas destila este "Os Comparsas", mais novo capítulo de seu "Ciclo mosqueirense", também composto por "A Poeta da Praia", "O Mastro de São Caralho" e "O Filho de Xangô".
Adaptado da história em quadrinhos do alemão Matthias Schultheiss (que por sua vez é a releitura do conto "Os Assassinos" do também alemão Charles Bukowski), "Os Comparsas" encontra suas raízes germânicas ao compor sua plasticidade sobre o conflito luz x sombra, tão caro à vanguarda expressionista dos anos 20.
O protagonista Pedro, por exemplo (interpretado pelo econômico e expressivo Solano Costa), atua como um oficial reformado da República de Weimar. Apesar do deslocamento descompassado, nunca senta de costas para a porta, nem deixa uma dama acender o próprio cigarro em público.
A gratuidade da violência, um dos aspectos mais reais da condição humana, surge no filme como o cruzamento estéril do humor negro na arte exploitation e a vulgaridade das páginas policiais. Tudo alinhado sob o rigoroso olhar da câmera.
Os planos fixos e os cortes rápidos dão a sensação de correr com os olhos as amareladas folhas dos quadrinhos pulp, nos quais o filme se inspira.
Apesar do realizador conduzir praticamente sozinho todo o processo com uma criatividade gritada, o resultado é de um distanciamento claustrofóbico. "Os Comparsas" é um mergulho gelado no mar de sangue, um idílico passeio no inferno.
Na última parte do filme, desenrola-se um tour de force entre a selvageria do crime e a plácida indiferença da casa - esta, um dos principais personagens da narrativa. Aqui os inserts tão comuns no cinema de Barradas atingem um paroxismo quase eisensteiniano: cinema como resultado criativo do choque de imagens.
Marcio Barradas, neste "Os Comparsas", mais uma vez nos relembra o óbvio: na pequena ou grande produção, o cinema só existe quando dá forma a uma visão forte. Fugindo da tecnocracia e do acanhamento, Barradas ousa interessar-se pelo cinema. Por mais absurdo que isso esteja.

Miguel Haoni (1984-2011)*

*O cineclubista tinha várias passagens pela Divisão de Atendimento ao Adolescente e pode ter sido morto por causa de dívida com traficantes, segundo a polícia, que já tem um suspeito do crime.